quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Quatro Shakespeares, por Luis Augusto Fischer em Zero Hora

No centro do Expresso Porto Alegre: Estación Montevideo, patrocinado pela Prefeitura de Porto Alegre lá na capital uruguaia, esteve o teatro porto-alegrense. Foram quatro peças, três das quais no Solis, o teatro maior do país. Teatro porto-alegrense quer dizer aquele pessoal teimoso e valente, de valor inestimável, que não deixa a peteca cair, por mais distante que esteja do mundo glamouroso e endinheirado da teledramaturgia global...
...Não se tratou meramente de quatro encenações, mas de quatro Shakespeares: dois Hamlet, um Sonho de uma Noite de Verão e uma Tempestade. Para uma cidade com teatro que vive precariamente, é um verdadeiro espetáculo de força e de maturidade. O Hamlet dirigido por Luciano Alabarse já foi bastante comentado: um espetáculo clássico, que levou ao palco tudo o que está no texto original, com figurinos de época e requintes notáveis como a ótima trilha de Mateus Mapa. Sonho eu não tinha visto por puro conformismo meu, que deve ser igual ao do leitor: vivendo numa cidade periférica no país, o leitor e eu, ainda que cultos, pensamos que este esforço local não merece tão facilmente nossa audiência. Pois esta montagem, de Patrícia Fagundes, é uma maravilha de concepção e execução, que conta com desempenhos magníficos como o de Heinz Limaverde. Se voltar a cartaz, barato leitor, não perca, de modo algum.
Mas o que realmente me impactou, fazendo todo o meu conformismo porto-alegrense transformar-se em vergonha, foi o Hamlet Sincrético, concebido e dirigido por Jessé Oliveira. Absolutamente sensacional, original, forte, bem pensado, com um alcance crítico que vem do século de Shakespeare para o Brasil de hoje: Jessé teve o vislumbre de gênio de fazer a velha ordem, do tempo de Hamlet pai, o assassinado, ser marcada por elementos das religiões afro-brasileiras, deixando a nova ordem, a do Cláudio usurpador e a do atormentado Hamlet filho (o comovedor Juliano Barros), ser assinalada pela conversão a um pentecostalismo carola e tolo. Isso e mais pontuações inspiradas, que incorporam rap, celular e batuque negro, tudo integrado a serviço de contar a mesma história do gênio inglês.
Prezado leitor, caro leitor: se houver a chance de uma nova temporada, não perca, por nenhum motivo. Jessé e sua turma engrandeceram Porto Alegre e, sem exagero, o legado de Shakespeare.

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